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PARADA
29/06/2020 14:08 em Crônicas

 

 

Tudo aconteceu muito rápido. Foi em março. De uma hora para outra o tempo parou, as lojas fecharam, as pessoas se recolheram, o clima ficou tenso, tão denso que uma palavra cortava o ar com a intensidade de um trovão.  Não se falava de outra coisa. As autoridades ficaram ouriçadas. Na internet, na televisão, no rádio, no jornal e nas rodas de conversa o assunto surgiu como um surto. Vinha de longe. Era sério e perigoso. Uma confusão de bocas, olhos e expressões. Era possível perceber no semblante de alguns o medo e em outros a incredulidade. Ao mesmo tempo havia aqueles que faziam pouco e debochavam como se tudo não passasse de  invenção. 

 Uma nova ordem mundial foi imposta, mas não foi concebida, como de costume, em luxuosos gabinetes de políticos poderosos. O mandante não tinha corpo, não tinha cara, mas expressava um poder inimaginável. Uma força capaz de colocar de joelhos qualquer um, rico ou pobre, não importava. No fim, a sua vontade imperava. Aos poucos a rotina diária se transformou, cada um ficou no seu canto, sem privilégios, sem distinção. A partir desse momento, só seria possível fazer contato com o mundo lá fora pela janela ou pela tela do computador. Fomos isolados em casa.

Membros de uma família, agora, vivem ao mesmo tempo, no mesmo espaço, na mesma hora, todos os dias. No começo, apesar da preocupação e dos cuidados que todos deveriam observar, esse distanciamento do resto do mundo parecia uma boa ideia. Porém, não era mais permitido se amofinar para depois se distrair com a cidade, suas luzes e tentações. Uns cantavam e tocavam instrumentos nas sacadas dos prédios, outros repartiam a própria comida com estranhos. Mas todos estavam confiantes, que tudo isso seria breve, e logo a cidade voltaria a respirar.

Então, com a diminuição dos apelos comerciais cotidianos, fomos coagidos a rever nossas vidas, nossas rotas, nossas escolhas, alguns de nós, pelo menos, talvez os mesmos de sempre. Nessa hora é bom lembrar de uma velha batalha da espécie, o ser humano tem um desejo enorme de domar o tempo, pois é assombrado por ele. Não gostamos de vê-lo passar, detestamos perdê-lo e não sabemos aproveitá-lo. Como é desconfortável ter tempo à disposição! Ele funciona como um espelho, mostrando uma imagem que não queremos ver. Cada minuto que passa carrega em si uma sensação de pressão interna, um aperto, um calafrio constante, que nos fazem rir uma risada tétrica e desconcertada. As situações e as pessoas são processadas pelos olhos e passam tão rápido pela cabeça, que mal acionam os pensamentos que temos. Tudo que vemos, falamos e ouvimos torna-se eco inconsciente. Sentimos, mas não falamos nada. Temos perguntas, mas tudo fica latente, temos medo da resposta. 

 

 

 

 

 

Foto, edição e revisão: Demirse M. Ruffato

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