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O JOGO DE FUTEBOL
05/07/2017 08:11 em Crônicas

           “Vou brincar! Tchau!”

E lá ia eu, em disparada rumo à porta. Bola debaixo do braço. Todos os dias era isso. Certa feita, antes de sair, ouvi a vizinha que tomava café ali em casa, responder a uma reclamação de minha mãe, que não conseguia me fazer parar em casa:

“Não te preocupa, dona Janda! Criança, quando brinca, está na verdade ensaiando para as coisas da vida adulta. Deixa... deixa ele ir!”

Na época não entendi lá muito bem o que ela quis dizer, mas pela primeira vez desci as escadas sem sentir uma pontinha de culpa.

No prédio onde morava, moravam muitos meninos que também gostavam de futebol. E ficávamos todos no pátio, jogando uma partida atrás da outra, até que, de tão escuro, tivéssemos que interromper o jogo.

Os times eram definidos no par-ou-ímpar. Às vezes meu time tinha o Marco, o Lico, o Beto e o Tonho; às vezes, era o Túlio, o Nilo e os gêmeos Duda e Guto. Ou uma mistura de um ou de outro. Pouco importava, éramos bons. Quem menos jogava, e não jogava mal, era o Beto. Ele não tinha a vontade que tínhamos de driblar e fazer gols – ele se esmerava era na marcação.

Quando o Pedro foi morar naquele prédio da Pinheiro Machado, não lhe demos de cara muita atenção. De algum modo que hoje não sei explicar, ele não agradou, não deu liga. Demorou algo entre duas semanas para que um de nós o convidasse a entrar na nossa panela.

Mas o cara jogava bem. Melhor que todos nós, na verdade. Ele tinha a mesmíssima idade que a gente, mas parecia mais velho. Foi dele a ideia de começarmos a jogar contra os guris da Teixeira e Mendes. Ele disse que era importante mostrar quem mandava no quarteirão. Ficamos entusiasmados. Fomos, quase todos, no prédio chumbrega deles, como uma gangue que desafia outra para uma briga de facas. Mas era futebol o negócio.

Na volta, ríamos daqueles guris que não tinham pátio, jogavam na calçada mesmo, sem marcação de meio-campo nem goleira.

Pra variar, não me lembro que dia o jogo aconteceria, mas tínhamos tempo pra treinar. O pai do Marco, quando soube do desafio, resolveu ajudar a gente sempre depois que chegava do trabalho. Foi ele que decidiu tudo, do goleiro ao atacante, os titulares e os reservas.

Canhoto, eu atacava pela esquerda; Pedro era o capitão.

Não vale a pena entrar em detalhes, mas perdemos muito o jogo primeiro. E perdemos outros e outros. Cada derrota era dizerem-nos com todas as letras que não jogávamos bem, porque era flagrante a superioridade dos guris da Teixeira e Mendes. E como essa realidade doía!

Um dia, foi o pai do Beto que resolveu nos ajudar. Ele disse:

“Ganhem no par-ou-ímpar. Se isso acontecer, tu (que era eu) só rola a bola pro Pedro que ele chuta forte pra fazer o gol. Depois marquem com atenção cada um deles. Beto, não desgruda um segundo daquele moleque cheio de espinhas!”

Eu duvidava daquela estratégia. E se não ganhássemos no par-ou-ímpar? Para mim, aquilo nada tinha a ver com futebol. Futebol tinha que ter jogada: Zico passando pra Falcão, que driblava um e entregava pra Sócrates que, de calcanhar, ajeitava a bola pra bomba do Éder. O que propunha o pai do Beto, só em caso de falta ou coisa parecida. Mas obedeci. Precisávamos de uma vitória. E deu certo. O chute do Pedro foi forte, no ângulo. O goleiro deles pareceu ter levado um susto.

Tínhamos, então, que nos defender como combinado. Cada um de nós marcando um deles. O Beto ia cumprindo sua tarefa de sempre, só que melhor. Com o tempo passando, eles se tornaram um time argentino, cheios de catimba e reclamações. Nossa vitória estava a minutos de se concretizar. Mas fiz falta perto da nossa goleira. O Pedro assumiu o compromisso de defender nossas traves. Não adiantou. A bola desviou num pé na barreira e entrou do lado oposto de onde nosso goleiro caiu.

Um a um.

Esse não foi o último jogo. Foi apenas o único que não perdemos. E, me sabendo de cor, tenho certeza que sim, esses jogos foram um ensaio pra minha vida adulta, como um dia disse aquela vizinha simpática que, vez em quando, ia tomar café lá em casa.

Ela era mãe de quem mesmo?

 

 

 

 

 

 

Professor, músico ( Ziggy ama Tom)  e escritor (Tubarão com a faca nas costas)

paulo rodriguez@rockpedia.com.br

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