Texto apresentado na 30ª Feira do Livro de Caxias do Sul,
terça-feira, dia 14 de outubro de 2014, 20h.
Ao mesmo tempo, é mais uma tentativa pessoal de reafirmar que o que, nós, poetas, fazemos, é importante, mesmo que, por vezes – como já ouvi – apresente-se como algo pueril.
Para começo de conversa, um poema; de Leminksi, é claro!
um dia
a gente ia ser homero
a obra nada menos que uma ilíada
depois
a barra pesando
dava para ser aí um Rimbaud
um ungaretti um fernando pessoa qualquer
um lorca um éluard um ginsberg
por fim
acabamos o pequeno poeta de província
que sempre fomos
por trás de tantas máscaras
que o tempo tratou como flores
(...)
Como bem pontua Alfredo Bosi, “o poeta é doador de sentido”; e, como complementa Fernando Paixão, “Essa capacidade de revelar nova substância dentro de palavras já gastas e surradas é que constitui a maior riqueza da poesia (...)”.
Ou, ainda, Ezra Pound: “Essa diferença entre o que é sabido e o que é simplesmente simulado ou suposto sempre me pareceu valer a pena descobrir.”
(...)
Partindo destes três pressupostos, é que afirmo o valor da poesia na sociedade contemporânea, sociedade minada de signos, símbolos e significados, que nos confundem e nos tornam incertos da realidade em que vivemos.
(...)
Enfurnados em afazeres cotidianos, preocupados com valores e contas a pagar – e com os cobradores, também! – muitas vezes não percebemos a beleza que nos cerca, nos envolve, nos acaricia.
Edgar Allan Poe diz, muito apropriadamente, que “um poema só o é quando emociona, intensamente”; portanto, o uso da palavra elevada à categoria de poesia, reveste-se de particular e frágil significado: o que ela me traduz é diferente do que traduz para outra pessoa!
(Esse discernimento proclamado, é por aí que passa minha intenção!)
(...)
Vivemos, como já me referi há pouco, em um mundo turbulento, onde o tempo é sempre plural; mas, mais plural ainda é o tempo do poeta, ainda conforme Bosi.
Quer dizer, mesmo inserido no ritmo caótico da sociedade, o poeta respira outras aragens, vislumbra outras paisagens e, com elas, procura compartilhar com seus leitores – os amigos, principalmente – estas possibilidades que ele constrói com as palavras.
Procurando fugir do mecanicisimo, fende a superfície das relações e da concepção mundana que está impregnada na consciência, ou talvez, na inconsciência das pessoas.
Atribui a si próprio uma responsabilidade hercúlea de tornar o mundo mais belo, as relações mais amistosas, o amor mais próximo, a solidão menos estéril, o vazio mais preenchido.
(...)
Sim, porque mesmo quando escreve sobre a tristeza e o abandono, o poeta verbaliza e reforça o pedido de socorro latente na multidão, pois, como afirma Graham Hough, “a pretensão de o poeta ser dono de um poder voluntário que é de algum modo não apenas o poder ativo de toda percepção humana, mas uma analogia humana do poder criativo de Deus”, é algo que permeia toda a escrita poética.
Uau!
A partir da poética aristotélica, entendemos que a poesia tem origem em duas causas naturais: a imitação e a aprendizagem; diz ele: “(...) a obra do poeta não consiste em contar o que aconteceu, mas sim coisas que podiam acontecer, possíveis no ponto de vista da verossimilhança ou da necessidade”.
Sendo assim, a poesia reflete a intenção do autor em “direcionar” o olhar do leitor para alguma coisa imperceptível no trânsito diário/míope dos olhares e provocar, com isso, uma ruptura na estrutura fossilizada do indivíduo que pensa de forma burocrática.
(...)
“(...) é a partir do devaneio, da respiração livre do pensamento, que o poeta vai encontrar as palavras e as emoções com que elabora seu poema. É trilhando pelo devaneio que o poeta encontra as substâncias do seu dizer poético: as imagens”.
(...)
Aliás, fazendo um reparo na idéia de que o poeta é apenas um sonhador, que vive em devaneio: vale lembrar que a palavra é uma “coisa séria”; ela escapa da gente quando a gente menos espera, ela se nega a comparecer quando a gente mais precisa e aparece quando a gente não está em condições de registrá-la ou memorizá-la, ela é traiçoeira também; por isso, entendo que a maneira com que a trabalhamos nestes dias de banalização da linguagem, tem a ver com prestar um serviço ainda maior à sociedade onde estamos inseridos; não é à toa que nos coube esta função: de sermos “antenas da raça”, como propôs Pound.
Quer gostem do que a gente escreve ou diz a respeito, quer não gostem, carregamos em nossa alma esta pretensão; que também não é nada mais do que uma profissão; o que pode diferenciá-las das demais é a forma como lidaremos com esta sensibilidade diante do caos em que vivemos – de forma serena e contemplativa, ou de forma angustiada e retraída.
E, para finalizar, outro poema, agora de Leituras na madrugada:
IMPASSE
calei a escrita
e nada mais me conforma
de forma irrestrita
o verbo transforma.
Dinarte Albuquerque Filho
Jornalista, poeta e professor