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Como são vistas as histórias em quadrinhos no Brasil
Crônicas
Publicado em 13/06/2013

Mês passado deparei-me com uma situação bastante incomoda para um colecionador de histórias em quadrinhos, a confirmação oficial do cancelamento, no Brasil, de “A Face Oculta” (Volto Nascoto) do aclamado, criador de Mágico Vento, Gianfranco Manfredi. A minissérie composta de 14 edições foi cancelada já no segundo volume com a alegação da editora de que as vendas foram tão baixas a ponto de não garantir a continuação da publicação nas bancas brasileiras.Tal acontecimento leva a um questionamento: Como uma obra de tamanha qualidade e reconhecimento em seu país de origem (Itália) e Europa não consegue nem sair do 2° volume em nosso país?

“A Face Oculta” é uma história, baseada em fatos reais, situada no final do século 19 que retrata uma Itália com ambições expansionistas, voltando suas atenções para os países africanos, principalmente para a Etiópia com ênfase no Tratado de Wuchale. É uma história em quadrinhos com qualidade de livro, cito que Manfredi é cineasta e também escritor de livros. Como pode então “A Face Oculta” não ser devidamente reconhecida em nosso país?

Dentre as respostas que encontro a que mais me chama a atenção é que no Brasil os quadrinhos são vistos como leitura infantil, como “gibis” não como Histórias em Quadrinhos, independente de seus personagens e roteiristas. Criou-se lamentavelmente no Brasil o rótulo de que os quadrinhos são somente voltados para as crianças e o que é pior, a minoria adulta que os lê é vista com o rótulo de “infantil”. Pensando de maneira clara, vejo que uma parte desse conceito até faz sentido, que existe uma culpada para isso e ela tem nome: Mônica, a obra-prima de Mauricio de Sousa, a qual li muito quando criança e volta e meia ainda leio. Quando falamos em produção de quadrinhos no Brasil qual a revista que vem a mente? Mônica e sua turma.

Quem são os seus personagens? São crianças: Mônica, Cebolinha, Cascão, Magali e outros.Quem é seu público alvo? O público infantil.

Público alvo infantil definido, tanto que mais recentemente para abranger um público com uma faixa etária maior foi lançada a versão adolescente da Turma da Mônica. Durante as décadas de 1970, 1980 e 1990 a Turma da Mônica tinha como público alvo apenas as crianças, os poucos adultos que liam seus quadrinhos eram os que quando crianças acompanhavam suas histórias, permaneceram tendo o contato na adolescência e ainda leem quando adultos para reviver a nostalgia. Muitos de nossos pais, tios, avós nunca leram a Turma da Mônica mas sabem que trata-se de uma obra onde os personagens são crianças feitos para crianças. Com o passar dos anos esse conceito foi se consolidando e criando a imagem de que em nosso país história em quadrinhos é gibi e seu público é infantil.

Fora do Brasil eles, gibis, são Histórias em Quadrinhos, Comics, Fumetti e itens fortes na cultura Pop. Fazendo comparação com o conceito que apresentei temos nos Estados Unidos e na Europa histórias em quadrinhos em que seus personagens são adultos: Superman, Batman, Vertigo, Spiderman, Capitão América, X-men, Asterix e Obelix, Tex, Zagor, Mágico Vento, Júlia, Dampyr, A História do Oeste e tantos outros. A única exceção que faço é aos Peanuts de Charles Schulz, a turma de Charlie Brown, composta por crianças e um cachorro (Snoopy), nada tem de infantil, suas tiras são extremamente adultas com temas psicológicos profundos abordando comportamento e até mesmo política, sendo que suas vendas até hoje em todo o mundo atingem valores astronômicos em quadrinhos e produtos licenciados.Resultado de personagens adultos é um público muito mais adulto, tanto em idade quanto em quantidade devido a identificação entre público e personagem e o tom de assuntos abordados nas histórias. Fato curioso é que todos os personagens citados acima também são encontrados em bancas e livrarias em nosso país e suas vendas são minúsculas, praticamente insignificantes, se comparadas com seus países de origem, sendo que aqui mal são suficientes para manterem-se sendo publicados.

Mas se o personagem é o mesmo, a história é a mesma, como pode então vender dez, vinte vezes mais na Europa e Estados Unidos do que no Brasil? Para responder a esta pergunta voltamos a teoria inicial, sobre a visão equivocada e preconceituosa que as pessoas no Brasil têm das HQ.Vejo os quadrinhos como um forte instrumento de alfabetização, fundamental para os primeiros contatos da criança com o mundo das letras, porém entendo que esse contato tem que permanecer no decorrer dos anos futuros em busca de novas leituras que vão de encontro com a evolução do leitor.É necessário haver um amadurecimento cultural em nosso país, envolvendo todas as áreas: música, arte, leitura.

A internet tem ajudado a darmos passos pequenos, mas importantes, onde antes nem ao menos ficávamos em pé.Tal amadurecimento vem com a percepção clara de que a mente precisa estar aberta para novos conceitos, livre de paradigmas e rótulos ultrapassados.Não vejo futuro promissor para HQ de qualidade em nosso país, os constantes cancelamentos de bons títulos deixam isso claro, mas para aqueles que procuram material novo fica a dica de que ainda existe muita coisa boa para ser lida e que lhes proporcionará muitas horas de lazer.Vale a pena se arriscar e descobrir um novo horizonte literário.

 


 

 

 

Jean Pagno

Engenheiro Civil / colunista Revista Rockpedia

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