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Os zumbis batem à porta
Crônicas
Publicado em 09/01/2013

Há alguns dias, li um gibi da DC (a editora do Batman, Superman, Flash, entre outros) da Earth 2 – uma espécie de universo paralelo. Tratava-se de uma luta dos heróis contra Solomon Grundy, um vilão criado lá nos anos 40 para rivalizar com o Lanterna Verde da época, o Alan Scott. Eu já conhecia o personagem, ainda da série dos Superamigos, nos idos da década de 80, e nunca gostei muito do Solomon, achava um personagem meio tosco: um brutamonte pálido, lerdo, quase uma “versão maligna do Herman Monstro”. A grande sacada do Grundy (que trocadilho infame, hehehe) era ser um zumbi, algo que não podia ser destruído, ou melhor, até podia, mas sempre voltava à la Jason, de Sexta-feira 13. Ah, esses zumbis e sua eterna relutância em ir para a terra dos pés juntos...

 O interessante do zumbi é que basta mencionar a palavra e, nessa hora, se evoca a imagem de uma mão tétrica, já meio decomposta e esverdeada, surgindo lentamente da cova em uma noite, ou então do sujeito lacerado, usando um terno rasgado e com andar trôpego avançando pela rua. Alguns pensarão, talvez, no Eddie, do Iron Maiden, ou, alguns folgazões, no Michael Jackson dançando Thriller com sua impagável jaqueta vermelha. Mas, independente da forma, os zumbis parecem ter uma imagem já fixada nas mentalidades. Claro, falar em imagem é quase como “falar de Deus e sua época”, como diria um velho professor, por isso gosto do corte que o filósofo Gaston Bachelard faz, aproximando o conceito de imagem de algo dinâmico, mutável, mas com uma essência bem guardada. A imagem do zumbi, sob esse aspecto, me parece uma antinomia, isto é, um sujeito que subverte a ordem natural das coisas ou, melhor dizendo, um trapaceiro do ciclo da vida, que morre para não mais morrer. Porém, a vantagem da aparente imortalidade tem um custo ao zumbi: não há vida, mas apenas existência.

           O morto-vivo não tem consciência ou julgamento, apenas transita em um angustiante estado de torpor físico e moral. O zumbi existe para servir seu mestre, nas crenças do voodoo do Haiti, ou então, segundo as produções americanas de TV, cinema e quadrinhos, para aplacar sua incomensurável fome e sua prolífica ira. Mas, cabe a questão, o que o monstro almeja? O que o motiva? E, talvez para nosso terror, a resposta seja o nada, pois o zumbi é um devorador, um ser movido por linhas instintivas primordiais, cujo ápice é a busca pelo alimento, mas um alimento de que ele não precisa (afinal, ele já está morto), ou nem ao menos desejaria, se ainda possuísse seu senso crítico para escolher.

 Além da falta de consciência, outro problema inerente ao mundo zumbi é a proliferação. Nunca se vê apenas um zumbi, mas sempre uma pequena multidão de passos errantes pelas ruas e cemitérios. O “apocalipse zumbi”, ou seja, a hipotética pandemia que infectaria boa parte dos vivos, é um dos elementos mais apavorantes ligados ao ser. Desde os anos 60 do século passado, as obras cinematográficas de George Romero apresentam esse cenário: cenas em preto e branco de “Night of the Living Dead” se tornaram icônicas e apresentaram um problema deveras assustador: a massificação dos mortos-vivos, o surgimento de um mundo em que exceção é ser humano. Uma sociedade em que a “morte” é a vida e esta é apenas um fenômeno fugaz.

Se Romero é essencial, Richard Matheson não faz por menos em seu Eu sou a lenda. Não tanto pela caracterização dos monstros, que ficam no meio termo entre zumbi e vampiros, mas sim pela contextualização da solidão de um homem que se julga o último sobre a Terra. Esta solidão do protagonista parece ser a única saída ao mundo dos zumbis: a perda da identidade e a consequente massificação pela horda dos mortos-vivos ou a existência isolada e auto-vigiada do indivíduo que não é capturado.        

 

 

Sob esse ponto de vista, cada vez que leio um comics de The Walking Dead, penso sobre uma frase que o protagonista Rick Grimes disse numa das edições mais antigas. O xerife finalmente percebe que existem muito mais zumbis que pessoas vivas no mundo e fuzila: “Os mortos-vivos somos nós!” Acho que essa frase resume bem o problema do zumbi nos produtos culturais: em uma sociedade cujo juízo crítico, identidade e sensibilidade não constituem mais paradigmas, os mortos-vivos somos nós e, conforme a perspectiva pessimista de The Walking Dead, é questão de tempo até todos se “zumbificarem”. Claro, cabe questionar: Será mesmo? Será que, fatalmente, nos tornaremos peões manipulados por desejos do marketing das grandes empresas?

  A forma de atenuar esse panorama tão negativo é se preparar com mantimentos para sobrevivência nesse eventual mundo zumbi, ou seja, livros, CDs e arte, muita arte. E sempre acompanhar Joe Ramone no Pet Sematary:

I don't want to be buried in a Pet Cemetery,

I don't want to live my life again, oh no, oh no

I don't want to live my life again, oh no, oh oh,

                                                                       I don't want to live my life again, oh no no no

                                                                         I don't want to live my life again, oh oh

Dangelo Müller

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