https://public-rf-upload.minhawebradio.net/2618/slider/63b9908873f8d0643ebfbd990247ce61.png
taedium vitae
01/03/2019 10:13 em Contos

não oferecerei resistência. não serei eu a desviar o curso dos caprichos divinos. não que me falte vontade. não que não me sobre indignação. apenas tenho tédio. falta-me ânimo. ficarei aqui sentado enquanto este bafo quente varre o terreiro, enquanto os vermes resfolegam na carne de pêssegos maduros que se desprendem do pé, enquanto moscas azuladas e gordas cumprem seu destino de depositar ovos em cães, homens e outros bichos, enquanto o charque seca no varal, enquanto o charco se forma de água, terra e bosta de galinhas que pisam e repisam seu fadário burro… não serei eu a levantar daqui, a quebrar este encantamento de coisas e animais que como que hipnotizados vivem e morrem, são e estão, sem saber como nem porquê, quem apodrece e quem viceja, quem é que escolhe isto ou aquilo… estou aqui sentado. não resisto. não por mim, é que isto já foi decidido. então sigo parado, quieto. só o meu pensar é que pulsa, mas isto não tem importância. de que vale o pensamento se o esboço já vem de antes traçado? só me resta esparramar-me, ocupar um lugar até que seja, de fato, obra conclusa sob um revoar de corvos croci­tantes: carne podre sobre terra fétida…

 

 

 

 Cláudio B. Carlos é poeta da nulidade, filósofo do nada editor. Nasceu em 22 de janeiro de 1971, em São Sepé, RS. Tem diversos livros publicados. Vive em Cachoeira do SulRS.

COMENTÁRIOS
Comentário enviado com sucesso!