não oferecerei resistência. não serei eu a desviar o curso dos caprichos divinos. não que me falte vontade. não que não me sobre indignação. apenas tenho tédio. falta-me ânimo. ficarei aqui sentado enquanto este bafo quente varre o terreiro, enquanto os vermes resfolegam na carne de pêssegos maduros que se desprendem do pé, enquanto moscas azuladas e gordas cumprem seu destino de depositar ovos em cães, homens e outros bichos, enquanto o charque seca no varal, enquanto o charco se forma de água, terra e bosta de galinhas que pisam e repisam seu fadário burro… não serei eu a levantar daqui, a quebrar este encantamento de coisas e animais que como que hipnotizados vivem e morrem, são e estão, sem saber como nem porquê, quem apodrece e quem viceja, quem é que escolhe isto ou aquilo… estou aqui sentado. não resisto. não por mim, é que isto já foi decidido. então sigo parado, quieto. só o meu pensar é que pulsa, mas isto não tem importância. de que vale o pensamento se o esboço já vem de antes traçado? só me resta esparramar-me, ocupar um lugar até que seja, de fato, obra conclusa sob um revoar de corvos crocitantes: carne podre sobre terra fétida…
Cláudio B. Carlos é poeta da nulidade, filósofo do nada e editor. Nasceu em 22 de janeiro de 1971, em São Sepé, RS. Tem diversos livros publicados. Vive em Cachoeira do Sul, RS.