A história se repete como tragédia
No fechamento desta resenha (30/07), os dados divulgados pelo Consórcio de Veículos de Imprensa indicavam que o país chegava a um total de 554.626 óbitos pela Covid-19 e com apenas 19% da população vacinada.
A falta de imunizantes, corrupção no Ministério da Saúde e o mentiroso palavreado dito presidencial, confirmam que a sabotagem segue a pleno vapor.
O povo não entende muito bem os números do governo, apesar de gostar da matemática esportiva e de fazer retratos com gente bonita. Ele sabe, todavia, que cadáveres, em geral, não ficam bem na foto e fazem muito mal à musculatura política dos governantes.
No livro "A bailarina da morte", a Lilia Schwarcz e Heloisa Starling nos contam a história da gripe espanhola no Brasil. O vírus estreiou aqui em meados de 1918. Desembarcou do
Demerara, o "Navio da Morte", de bandeira inglesa, que atracou em Recife, Salvador, Rio de Janeiro, Santos e foi deixando o rastro da espanhola.
Por pelo menos seis meses, a gripe grassou país afora fazendo milhares de vítimas por todo canto, sobretudo entre os negros, pobres e índios.
Redigido no ritmo de reportagem investigativa, a obra é rica em detalhes, sem rodapés, com fotos e ilustrações, não gera bocejos. Ao contrário, refrigera a mente tal qual um gelado suco de limão à beira da praia de Tramandaí com trilha sonora do replicante Cláudio Heinz.
Lilia e Heloisa revelam, com a luz dos estudos de outras moléstias ocorridas no passado, que a primeira atitude das autoridades foi de negar a existência da pandemia. A segunda, tirar o seu da reta e arrumar um culpado pela tragédia. A terceira, se ainda estiver vivo politicamente, é vazar da boca e voltar depois pra reeleição.
O roteiro se repete, tal qual a "gripizinha" que, provavelmente algum aspone bem letrado soprou nas orelhas do genocida Jair Bolsonaro, que anda borrado por causa da pressão dos banqueiros de São Paulo e com as denúncias apuradas pela CPI da Covid.
De acordo com o levantamento das autoras, moças café com leite, uma é paulista e a outra mineira, a gripe espanhola, que prosperou na Primeira Guerra Mundial, matou mais que os tanques, aviões, morteiros e metralhadoras, as novidades bélicas do confronto.
Calcula-se que a pandemia atingiu 50% da população mundial. Os números giram entre 20 milhões e 50 milhões de pessoas mortas, vítimas da "bailarina da morte", um dos tantos nomes da mutante influenza H1N1. Os números totais são maiores que as baixas da Primeira Guerra, que teria sacrificado de 20 a 30 milhões de pessoas, entre soldados e civis.
No Brasil, os dados variam ainda mais. "Alguns analistas referem se a 50 mil pessoas falecidas e outros chegam a afirmar que 300 mil teriam sucumbido por causa da doença", diz as historiadoras.
A contabilidade das perdas não tem precisão. Aqui, no território da mandioca, por causa da miopia dos governantes, o país não se unificou no sentido de conter a avanço da moléstia.
De outro lado, a pandemia diagramou uma teia de solidariedade nunca antes vista no recém Brasil republicano, que ajudou a salvar muitas vidas. Qualquer semelhança com o presente fica por conta da cabeça do vacinado leitor.
A espanhola deu as caras no mundo em 1917, mesmo ano da revolução russa, que mudou a história da humanidade. O 1919 foi batizado como o ano da gripe no Brasil.
De acordo com a linha do tempo do antropólogo Darci Ribeiro, a música dos irmãos Pixinguinha e China sacudiam o gripado território do samba. Dizia a letra: "Ele é alto, magro e feio. É desdentado. Ele fala do mundo inteiro. E já está avacalhado no Rio de Janeiro".
Leiam o livro das gurias e fiquem espertos, "o futuro mora aí ao lado". E o mundo gira e gira e a esquina também é logo ali.
Serviço
Obra: A bailarina da morte
Autoras: Lila Schwarcz e Heloisa Starling
Editora: Cia das letras, 370 páginas.